sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Cheiro da Sorte

"Não sei de onde veio esse cheiro de coentro na tua mão esquerda. Nem você sabe. Tua mulher não gosta de coentro, nem você. E ela não cozinhou esta noite. Acabou o gás. E ela fez as mamadeiras dos bebês - gêmeos – no chuveiro quente. A luz, ainda não cortaram. Só na semana que vem. E ainda que andando sob um sol amarelo-pálido, você está todo suado, com esta camisa flanelada, cheirando a mão esquerda, sem entender nada. Parece um cheiro errado. Já faz tempo que você não come na casa de outra mulher, nem em nenhum boteco. Você tomou jeito. E não tem dinheiro. Há sempre o dia do acerto. Não foi boa coisa sair com essa camisa flanelada, sem nada por baixo, porque o suor te encharca o corpo. E você não fica sem camisa fora de casa. Há contravenções às quais você não se permite, ainda que tenha andado de skate, cinco anos atrás, na contramão das avenidas principais. Uma vez, no camburão. Mas agora é outra hora. Hora da responsabilidade. Da responsa. De levar pra casa leite e pão. De uma forma ou de outra. Pedindo ou tomando emprestado. Se existe ainda alguma sorte neste seu caminho - sem sul e sem norte -, é tua mulher já ter parado de chorar. E estar dormindo, abraçada aos dois bebês. Não mais famintos. E sair esse cheiro que não se desprega de você."

Marcelo Novaes

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