sábado, 18 de outubro de 2008

SAPATOS VERMELHOS

Eu não estive aqui antes, porque eu estava cantando em cima do telhado. E não se trata de cantar para um céu como alvo imediato. Não. Trata-se de um céu que se me impôs por sua enormidade, e eu cantei. Só isso. O céu como elemento primal do meu grito primal. Por isso eu faltei ao nosso compromisso. E vi pardais cantarem melhor do que eu, por suportarem melhor a enormidade do céu. Eu usava uns sapatos vermelhos de salto alto, e eu quase quebrei algumas telhas vermelhas. Eu ouvi a pulsação de minha aorta, cantando vermelho. Eu olhei pros canteiros e não imaginei arquiteto melhor do que o vento espalhando gerânios gêmeos. Gerando vidas novas com seu hálito. Olhei pro céu e não vi melhor teto. Pensei no meu filho servindo o Exército e pensei e cantei assim: “que desperdício”. E vi que aprendera a cantar desde o parto. Por isso meu canto era sagrado. Mas pálido, inofensivo. Não voava nem voa alto. Não passava a torre de comando da aeronáutica. Não ultrapassava os radares que rastreiam bombas. Não voava nem voa longe como voam os pombos levando mensagens. O canto de uma mãe não é como o de um cantor de rock. O canto de uma mãe não levanta ninguém da cova. “Erga-te, Lázaro!”. Não foi uma mãe que cantou assim. “Já basta desse teu sono-de-morte!” Não foi a mãe que deu a este morto o ultimato. Foi alguém que fez a-mando-do-Pai-Amado. Assim pensando, quase entrei em colapso. E resolvi suspirar, por achar um pouco mais fácil. E desci do telhado. E quebrei o salto. E não pude chegar a tempo. Meu filho está morto. Quero te chamar pro enterro. Vem comigo, vem. Espero que não esteja muito ocupado...


Marcelo Novaes

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